quarta-feira, 23 de abril de 2008

Abraço


Desenho um círculo com os braços. E no espaço do círculo, com as mãos, em concha, enleio-te o pescoço. Ficamos então, assim… os dois, na semi-obscuridade. Parados e perdidos, um nos braços do outro. Côncavo e convexo. Aconchegados pela fórmula mágica do círculo, onde só nós cabemos. Nós e esta vontade louca de começarmos e de acabarmos… juntos. Tu e eu, numa esfera. O enquadramento perfeito. Se é que se pode encontrar perfeição numa forma geométrica…

Mas o meu amor por ti é perfeito. Sinto-o. E esférico. Começa e termina, para recomeçar, exactamente no mesmo ponto. Um ponto que só tem início, não tem fim. Um ponto de partida para chegar mais perto do que realmente importa. Ou um ponto de chegada, para partir de novo…

O meu amor por ti é irrestrito e incansável. Não tem hiatos. É feito de continuidade, de silêncios íntimos e de olhares cúmplices, de comoções partilhadas, de contrastes e de complementos, de imprevistos e de viagens sucessivas. Idas e vindas, ao sabor de ventos e marés. Sempre, com paragem obrigatória entre os teus braços. Geograficamente, os teus braços são o lugar perfeito. Um oásis fresco e revigorante, num deserto árido de rotinas e de contrariedades. O lugar onde se espraia a ternura e onde começam a delinear-se todas as aventuras do espírito e da carne. O lugar onde o sangue é mais quente e o coração bate mais forte. Os teus braços são a minha casa, virada ao sol. O lugar onde me habita a eternidade de ser e de sentir quem sou.

Por isso, não me importa, a perspectiva. O que me importa és, sempre, tu. O ponto donde parte o círculo nunca é um fim, mas um meio para me alcançar, encontrando-te. E tal como as ondas de um campo magnético, propaga-se geometricamente, numa sucessão, de pontos, a perder de vista. Até ao infinito das reticências. Sim, as reticências. Três simples pontos, horizontalmente alinhados, sempre prontos a anunciarem, um novo amanhecer. Noite, após noite…

O meu amor por ti, também, assim é. Misterioso e convidativo, como todas as noites de luar e claro e risonho, como todas as alvoradas. Tem a forma ilimitada e regenerativa do Universo. A forma iniciática e infalível da existência. A forma da minha e da tua utopia, transformadas em realidade. Ambas, fecundas e luxuriantes, como a Amazónia; a palpitarem de vida e de boas vibrações. Uma forma ancestral e simultaneamente revolucionária, feita de deslumbre, de respeito, de liberdade e de sucessivos enigmas por resolver. Também de perigos. Muitos perigos! Quando, dentro do círculo dos meus braços, os teus olhos encontram os meus, despertam os sentidos e os perigos. O tempo adormece, o chão estremece e foge sob os nossos pés e é um céu aberto de possibilidades que nos acolhe. Fecham-se as janelas para o exterior. Abrem-se as janelas do coração. E depois…depois, há no peito aquele rio imenso e estranhamente tranquilo que a vida inteira soubemos manter sob controlo; aquele rio que não aguenta mais a pressão da espera, a violência abafada de tantos anos de pontos finais e de vírgulas, entremeados de sofridas interjeições e que cede perigosamente; que galga as comportas do coração e transborda, margens fora, até desaguar, como avalanche, num mar imprevisível de emoções.

O meu amor por ti é este círculo – casulo, fechado, incluso, só nosso… onde cabem todas as possibilidades e todas as metamorfoses; onde o céu é o limite da nossa imaginação; este círculo perfeito, sem princípio nem fim, que começa e termina para, novamente recomeçar, sempre que, com os meus braços, enlaço docemente o teu pescoço…

in “Geometrias do Amor”

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